Segunda-feira, 31 de Março de 2008
"No sábado, a sala na Invicta encheu para saudar o rock com sabor a aventura de banda de Coimbra.
Em plena digressão de Shangri-La por território luso, os Wraygunn encontraram no Cinema Batalha um cenário muito favorável para construírem o imaginário da banda: a sala do Cinema (cheia), na sua teatralidade e imponência, deu relevo especial ao que se foi passando em palco durante a noite. À terceira manifestação de vitalidade, a banda de Paulo Furtado terá conseguido o disco mais consistente de todos, mas não só: Shangri-La, pela sua diversidade, é um álbum que, mais do que nunca, permite aos Wraygunn explorar territórios e cenários distintos ao vivo. E é bastante óbvio que os Wraygunn nasceram para estar em cima de um palco.
A elasticidade de Shangri-La permitiu por exemplo aos Wraygunn o arranque com «Just A Gambling Man», lançando para o ar o mistério em vez do assalto rock que todos estariam à espera. Só depois, com a chegada de «Ain’t it Nice», se descobriu aos Wraygunn a cara e as intenções: rock sem apelo nem agravo, urgente, consciente das suas responsabilidades. Em cima de uma mesa ao fundo do palco há quase um bar montado que o confirma: whisky e copos para quem se quiser servir. Tudo era necessário para ajudar a cumprir a profecia: correr Shangri-La de uma ponta à outra, sem esquecer de passar pelos capítulos anteriores.
Do primeiro disco, Soul Jam, os Wraygunn tiraram o pó a «Ain’t Gonna Break My Soul», prova cabal das raízes que trouxeram a banda de Coimbra a este mundo. De Eclesiastes 1.11, saltou logo a seguir a oração «Keep On Prayin’». Ainda que o coro não tenha feito parte dos planos dos Wraygunn para este concerto, o gospel é presença obrigatória. E os blues, a soul, o sexo. «She’s A Go-Go Dancer», finalmente, cumpriu uma função especial: instalar na sala e no público um entusiasmo superior, alimentado pelo riff perigoso de Paulo Furtado e pelas vozes de Raquel Ralha e Selma Uamusse. Não foram poucas as vezes em que estas últimas estiveram em destaque: duos que não são duelos mas que soltaram faísca. E porque Paulo Furtado é o pior pesadelo dos roadies, não faltou o habitual passeio por entre o público e a escalada a pontos altos da sala. O rock assim obriga – e os Wraygunn cumprem sempre as suas obrigações."
André Gomes in BLITZ
Foto: D.R.